"A minha pátria é a língua portuguesa" - lá dizia o poeta. Para dominar várias línguas, temos de ter várias pátrias? O Inglês é a pátria universal da suposta aldeia global? Se desconstruir a minha língua sou um terrorista antipatriota? Questionar é sempre um bom modo de chegar a algum lado...


terça-feira, 11 de outubro de 2011

Homenagem à Pátria

É estonteante procurar dominar

uma Língua de tradição milenar

que tanto é concisa como matreira,

tanto é imprecisa como certeira.


É enervante tentar encontrar a palavra e a frase certas

em expressões sempre mutáveis e abertas

a novas formulações e novos significados:

tanto nos perdemos em nomes e adjectivos,

como em advérbios e predicados.


É avassalador ter um vislumbre

de quanto a nossa existência é moldada

em torno da língua materna.

Sempre que dela nos tentamos livrar,

damos um passo maior que a perna.


Nunca é irrelevante o papel da Língua:

cede-nos características e traços de personalidade próprios;

permite-nos exprimir originalidade individual e afecto colectivo;

dá-nos o sentir, a comunicação, o saber; a vibração, o ser;

envolve-nos numa cultura que é tanto berço como contexto

e destino, tanto é razão como imaginação,

tão realidade quanto sonho.




(a pedido de muitas [zero] famílias)

quarta-feira, 15 de junho de 2011

Pregar às sardinhas

- Tem calma, o mundo não acaba amanhã!
- Como podes ter tanta certeza?
- Quem te ouvir assim pensa
que acreditas em profetas do apocalipse...
- Acreditar é uma palavra muito forte.
- De qualquer forma não há razão para tanta urgência.
- Não te estou a falar de uma ânsia afectiva;
já me deixaste uma marca indelével.
Referia-me ao delírio do instante,
a um desejo comum de prazer.
- Acredita em mim. Não sou sobremesa,
hoje não há cereja no topo do bolo.
- Ninguém falou em crepes ou tartes:
apenas numa noite fugaz como um eclipse;
num fenómeno preemente de alienação colectiva;
numa festa em que a animação e o exagero
se tocam num ponto. Como o esbater
das fronteiras entre a realidade e o sonho.
- O que tem isso a ver com o FMI?
- Tudo.
- O FMI implica festa?
- Porque não? Tal como o início de uma
guerra, o fim de ano ou o fim do mundo
são antecipados por loucura e excesso...
- Tudo isso me parece pouco científico.
- De que outra forma explicas o deboche de consumo
que leva toda a gente a afirmar que "não há crise"?
- Não sei. E como explicas tu esse fascínio
por aquele personagem solitário?
- Que abordagem simplista.
O essencial é a natureza incorruptível;
o afastamento da realidade e a ética invulgar
para o comum dos mortais vem por acrescento.
- Não penses que me convences com essas balelas
sonhadoras pseudo-românticas.
- Não é uma questão de convencer. Tem tudo a ver
com ser. Talvez com o querer ser.